sábado, 25 de março de 2017

E na noite...

       
...e a noite, minha cidade anda assustada. Pessoas com pressa, pessoas caladas, pessoas com medo, pessoas sem rumo. Pessoas sem alma. Enfim, pessoas que não se diferem em nada de outras pessoas, mesmo sabendo que, ao olhar o céu, sob a vastidão da imensidão, ou, mais apropriado, do infinito, cada corpo celeste é único. E mesmo um insignificante asteroide em relação a um planeta pode significar o fim ou o começo de uma era. Bem apropriado para quando se fala em pessoas, como ela se vê, suas relações e seu grau de importância para com outras pessoas.
          Mas, as pessoas da minha cidade andam assustadas. Não falam, não interagem. São indiferentes ou procuram demonstrar ser, mas o olhar as traem. E, para isso, se isolam em seus caros e por vezes nem tão caros assim - nem por isso menos vistosos - pequenos aparelhos que teriam por finalidade aproximar pessoas.
          Cruzo por estas pessoas todas as noites. E, devo confessar, que a sensação, assim como olhar o infinito do céu e imaginar os segredos de cada estrela e corpos celestes, tem algo de incrivelmente fantástico, magico até.
          Eu gosto do que vejo.
          Assim como no firmamento, nem tudo é o que parece ser. É tudo questão de perspectiva. Há inúmeras variáveis. O brilho de uma estrela não significa nada, nem a certeza da continuação da existência desta estrela. Pelo brilho não é possível medir distancia, não é possível fazer comparação, não é possível afirmar que há ou houve vida em seu solo. Não é possível afirmar nada. Pela lógica a lua deveria ser maior que o sol. E não é. Pela mesma lógica a mesma lua deveria ter uma importância maior que o mesmo sol ou os planetas que nos circundam. E não tem. E são surpresas iguais a esta que encontro nas muitas caras das noites de minha cidade.
          Para começar, o brilho, neste caso entenda-se como a parte visível de uma pessoa, ou seja, a beleza, na escuridão da noite, nada diz sobre o carácter da mesma, exceto aquilo que eu possa supor. E, como qualquer ser humano, não sou infalível nem imune a erros induzidos pelos meus valores, minhas crenças, lógicas, preconceitos, etc.
          O que vejo na noite é uma variedade impressionante de rostos e formas das mais variadas onde o brilho em sua forma física é o que menos chama a atenção. O que importa realmente é a relação e a importância que estas vidas passam a ter no destino, tal cual um insignificante asteroide possa alterar a história e a forma de um planeta.
          São muitos rostos e, por conseguinte, muitas histórias. Algumas divertidas, outras trágicas, outras deixam a sensação de esperança, algumas de desesperança, e nem por isso sem valor.
          Nos rostos de minha cidade, a noite, há muito medo. Mas há também vida que junto de outras vidas formam o que se chama de coletividade, dai se forma a sociedade.
          E destas vidas uma pobre moça trabalha e muito para conseguir se graduar em administração hospitalar numa instituição longe de sua casa, outra moça tem medo de rostos desconhecidos mas não do meu, já que desde o primeiro dia faz questão de ficar ao meu lado na parada solitária esperando o ônibus. Tem também o rapaz cujo rosto, fala, trejeitos e vestuário, para não falar da cor de sua pele, com certeza assustaria mais gente além da pobre moça que espera o coletivo junto comigo, mas no fim revelasse uma boa pessoa. Tem também aquele sujeito alegre que adora contar histórias para passar o tempo enquanto o ônibus não vem. Tem aquele que reclama de tudo. Tem também aquele que se acha superior a tudo e a todos e necessita que alguém escute e se surpreenda com suas façanhas. E, de todos, adorei conhecer o músico e seu instrumento musical de bolso, uma gaita de boca. Fiquei escutando um blues de primeira qualidade e de graça. Noite memorável.
          Esta é a noite de minha cidade assim como deve ser a noite de qualquer grande cidade como Porto Alegre.
         
         

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